quinta-feira, 19 de março de 2009

...Sete, ou carinhosamente, o Templo.
...


Era inverno no Templo. Os escassos raios de sol, juntamente com o insistente frio vindo do sul, davam provas que esta cidade estava no período mais inóspito do ano. Naquele dia (como todos os dias) eu me alegrava sob a sombra de bananeiras a contar relatos de viagens para alguns jovens.
Falava das cidades que visitei e das coisas que nelas pude observar. Em instantes criava-se um mundo novo, com pessoas distintas, comidas exóticas, noites prazerosas, e criaturas que desafiavam as mentes mais instruídas. Divertia-me com tudo aquilo. Percebia que eu realmente deveria incentivar novos aventureiros.
Mas naquele dia percebi algo diferente. No primeiro instante não pude decifrar se havia algo errado com as formigas transportadoras, com os pássaros cantores ou se era com a constante brisa gélida que vinha das terras frias. Na verdade era tudo. Aos poucos se criava uma atmosfera propicia para algo grandioso que estava por acontecer. Cultivei minha dúvida por poucos dias. E numa manha chuvosa de domingo a resposta surgiu.
Eis que a minha casa havia sido tomada por milhares de viajantes, de diversos lugares dos mais longínquos cantos desta terra. Todos ávidos por novidades. Pouco a pouco se organizavam com relação às acomodações; e assimilar esta fria cidade lhes desafiava. Pude perceber que além de muitos, eram diferente entre si. Uns pareciam novatos e estavam iniciando neste oficio de viajar e observar novos lugares. Outros já com um pouco mais de experiência se detiveram a analisar a bela arquitetura do Templo. Também encontrei alguns poucos que demonstravam já haver percorrido muitas cidades. Esses tarimbados apenas observavam mais um destino nas suas andanças.
Para mim que já havia conhecido diversos lugares deste grande reino, era uma satisfação receber, naquele momento, tão ilustres enviados de outras cidades e de outros reinos. Conversando com alguns pude ouvir relatos que falavam da alegria de estar ali neste momento.
Enquanto conversava, por um instante meu olhar percorreu o Templo. Contemplei. Neste instante percebi algo novo, algo que realmente iria mudar os meus preceitos. Na minha frente passou um jovem desfilando sua saia florida e seu cachecol amarelo de pelúcia. Logo atrás um grupo de cantantes duelava com o desafino das cordas de um violão; a música, mesmo desconhecida, era bela. Num canto deparei meu olhar com um amontoado de cabeças, caras e gestos em um debate sobre o futuro das revoltas estudantis. Ao fundo um menino mostrava para os viajantes a sua facilidade e destreza na arte de empinar pipas. A noite vinha chegando, e com ela surgiam os primeiros casais e suas carícias nem sempre comportadas. Na verdade o anoitecer era o momento onde surgia tudo que por ventura ainda não aparecera nesta cidade. Olhe aquele penteado. Veja os pierrôs e as odaliscas dançando. E o que dizer daquelas mascaras de gesso? Quem as fez realmente tinha dotes. Surpreende-me a quantidade de coisas ao mesmo tempo. Ate consigo observar, mas minha mente sempre deixa escapar algo.
Aos poucos pude compreender a essência destes milhares de viajantes e suas novas relações com esta cidade que acabavam de conhecer. Creio que estes caminhantes puderam perceber várias cidades dentro desta que eu vivo. Entre tantas reconheci algumas daquelas que eu havia encontrado nas minhas próprias viagens.
Talvez todas estas cidades estejam dentro de uma única, maior.
Talvez seja uma mesma cidade que apenas muda de lugar.
Talvez eu nunca tenha saído do lugar onde vivo.
Ou quem sabe eu nunca tenha realmente estado no lugar onde vivo.
Tudo são dúvidas!
Resta apenas a certeza que elas realmente existem.





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